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2 de jun. de 2010

O CAMINHO DA CRÍTICA TRANSFORMA-SE NUMA CRÍTICA DO CAMINHO

O lugar utópico só pode ser alcançado por meio de uma volta para o que ainda está aberto. Quem entra no ainda aberto não persegue algo longíquo, antes se deixa apanhar pelo que está inalcançavelmente próximo. É no ainda-ser que sopra o verdadeiro espírito da utopia, que não pode querer realizar-se sem se compreender mal. Uma vez dissipada a miragem do objetivo a alcançar, o incomparavél não-sítio revela-se como um pólo de tranquilidade. Visto a utopia já não poder ser entendida como objetivo, nem como modelo, aquilo que era simplesmente mobilizador, outrora, passa a ser, agora, a matriz da desmobilização. Só quem sabe o que significa já não ter nada de fazer é que possui um critério quanto à mobilidade correta. Em vez de mobilizações maciças para a frente, torna-se possível um pairar inteiramente móvel sem sair do sítio. O caminho da crítica transforma-se numa crítica do caminho. O ainda não alcançado aprende com o ainda-ser a conhecer o que realmente se deve alcançar. Assim, a ideia da crítica há-de ser fundada num espírito da utopia entendido de uma maneira nova. Com isso, a crítica, enquanto faculdade de fazer uma destrinça, descobre a sua condição prévia na possibilidade de nada ter a criticar. A diferença entre diferença e não diferença põe em marcha o pensamento, que pode continuar em movimento, mesmo que viesse a revelar-se irrealizavél fantasma, próprio de uma teoria da totalidade, da identificação entre identidade e não-identidade. Como sujeitos da crítica, não só possuímos a faculdade de fazer distrinças, mas mais do que isso, somos seres distintos e pensamos em virtude da nossa separação. É somente porque, como entes distintos, como espíritos individuados, podemos pressupor a não-diferença fetal que, na qualidade de sujeitos nascidos, temos competência para distinguir. Contudo, a primeira diferença a fazer, simplesmente, é que uma diferença não nasce da intervenção do discernimento, mas graças à prodigiosa catástrofe da vinda-ao-mundo. Enquanto metafísicas monistas reabsorvem o absoluto numa concepção fetal, para recolherem o outro próprio do mundo no Uno sem mundo, a crítica drámatica acompanha a vinda-ao-mundo do ser pensante; sobre o fundo da recorda ção fetal, este que prossegue a aventura de ser diferente. É por isso que uma verdadeira teoria crítica se um dia houver, será idêntica a uma mística autêntica. Como diferença única torna-se atenta ao seu ser-no-mundo. Acomismo esclarecido, o espírito do cosmopolitismo consegue compreender-ser a si próprio. Então, só a via mísitica estará ainda aberta. Como crítica do Caminho, ela leva aonde nós estamos.

SLOTERDIJK, Peter A Mobilização Infinita. Para uma crítica da cinética política. 1989, p. 247.