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4 de jan. de 2009

lugar nenhum: o meio de arte no brasil

Texto de Paulo Venâncio Filho, escrito na década de 80. 
Obviamente a situação mudou bastante, e ainda mais óbvio é a constatação de que discussões clássicas ainda permanecem. de obviedades em obviedades, caso queira ler uma opinião mais contemporânea acerca deste quadro. ver texto de Daniela Labra

Venâncio Filho (1980) sintetizou em algumas frases pensamentos que dissecam o sistema da arte. Ele é autor de pensamentos como:

"Não é a história que vai legitimar o trabalho de arte, mas o capital. Aqui, a legitimação do trabalho através do capital vai pagar sua entrada para uma história imediata, ou seja, o consumo (p.216)."

"O trabalho de arte no brasil ainda não é visto sem uma decoração. quer dizerm não são trabalhos. sendo acessórios, somente as paredes são suas testemunhas (p. 217)."

"(o Brasil): nunca descobre trabalhos, sempre redescobre. assim somos como que colonizados por nós mesmos e por nosso passado (p.221).

Venâncio  Filho (1980), com esse artigo, problematiza que tanto o público quanto o mercado brasileiro sofrem de falta de memória, o autor é ainda mais radical afirmando que no Brasil não há história da arte. 
Obras de arte são também objetos decorativos e regem a lógica da fugacidade e efemeridade de tempos hipermodernos e, consequentemente, quando surge alguma novidade a coisa torna-se, então, supervalorizada justamente por falta de conhecimento geral daquilo que o antecede. 
Sem história não há como o artista se posicionar perante pesquisas anteriores, colocar-se numa linha cronológica, como fez a Nouvelle Vague, por exemplo, com seu cinema maneirista, um cinema consciente do fato de que chegaram atrasados e de que não havia mais nada para se fazer e, portanto, tiveram apenas que criar um novo cinema novo. 
No Brasil, essa discussão torna-se, pelo ponto de vista de Venâncio Filho (1980), inviável, tudo pode ser feito desde sempre, porque ninguém conhece o que já foi feito e se alguém fizer vai ter de criar uma bula, porque a falta de informação histórica no brasil é exorbitante. Mesmo levando-se em consideração apenas a história mais recente. 

[Isso nos faz lembrar aquele famoso lugar-comum de alguns espectadores tacanhos que reivindicam uma arte que se adeque mais ao público brasileiro, o famoso 'minha mãe entenderia isso?', ou 'qual livro eu preciso ler para apreciar a obra?', 'não é arte algo que exige doutorado ou vivência acadêmica.'] 

No final das contas, como analisa o autor cirurgicamente, quem acaba legitimando um objeto artístico é o mercado. "Ele diz: todas são atuais, todas são iguais, todas são arte"(FILHO, 1980, p.220). Dessa forma, de ator da rede globo até cildo meirelles, tudo é artista e seus trabalhos são destinados de modo indiferenciado para todo o público, que tem a falsa maravilhosa impressão de liberdade.

Lembrando que, segundo Amartya Sen (2007), em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, trata delicadamente um tema complexo da liberdade. Mas resumidamente, caso interessar, liberdade só é possível, segundo Sen, com geração de autonomia. Autonomia é um conjunto de conhecimento, poder aquisitivo e estoques de 'energia' (alimentos, remédios, saúde) armazenados e necessários para que o indivíduo possa vir-à-ser um cidadão responsável e apto a escolher por conta própria. Liberdade não é um meio, não existe liberdade sem capacidade gerativa de conhecimento, liberdade é um fim, que só será alcançado com o desenvolvimento humano e social, por isso, a proposta no título do livro, desenvolvimento como liberdade.


FILHO, Paulo Venâncio. “Lugar Nenhum, o Meio de Arte no Brasil”. In: Basbaum, Ricardo (org.). “Arte Contemporânea Brasileira”. Rio de Janeiro. Contra Capa Editora, 2001.